Nos Bastidores de um Filme Pornô Filmado em Realidade Virtual
3 November 2015 // 01:35 PM CET
Quando Todd Glider, CEO do estúdio pornográfico de realidade
virtual e empresa de mídia Badoink, me pediu para chegar em uma filmagem
de um de seus filmes em RV, não pude deixar de pensar naquela cena de O
Grande Lebowski em que o protagonista conhece o magnata do pornô
Jackie Treehorn em seu palacete em Malibu.
Com aquele ar de empreendedor das antigas, o
milionário tenta convencer o Cara sobre o futuro da pornografia. “A nova
tecnologia nos permite entregar coisas muito excitantes em software erótico
interativo. É a onda do futuro, Cara. 100% eletrônico”, diz Jackie.
No meu caso foi pouco diferente. Em vez de colar em
um palacete, fui até um prédio de de cinco andares em Hollywood Hills. A
filmagem em RV ocupa um estúdio no último andar da mansão. No espaço a ação se restringe
às áreas da entrada e sala de estar. Ambas espaçosas e modernas, com paredes
brancas e mobília de bom gosto. Nada exótico, nada de ostentação. É
impressionante o quão normal parece – em termos de mansões de Hollywood Hills,
claro.
Após uma espiadinha nas duas câmeras de RV que
ficavam à esquerda de um refeitório, Glider me apresenta ao diretor Nick
Melillo, sentado em uma mesa num pequeno escritório em meio à sala de estar.
Ele passa pela mesa e logo aperta minha mão pouco antes de mandar um assistente
“tirar aquela foto do Bill Clinton da parede”, então sai tirando fotos do
equipamento de RV. Os demais produtores e assistente agem como em qualquer
outra produção cinematográfica.
Entre tragadas em seu onipresente cigarro
eletrônico, Glider fala sobre Melillo: “Eis o Burt Reynolds do pornô em RV” –
referência ao personagem de Reynolds em Boogie Nights, Jack Horner.
A equipe arrumando as luzes na sala. Crédito: Nick
Melillo/Badoink
Em termos de aparência, Glider e Melillo não passam
a impressão de serem comerciantes de putaria. Glider tem um jeitão de homem de
negócios e fala como um nerd de tecnologia. Melillo, com seus cabelos
grisalhos, óculos escuros, shorts e camisa de manga curta, parece como qualquer
tio seu. Sua voz, porém, é Hollywood pura, como uma versão mais de boas do
chefão da Capitol Pictures Jack Lipnick emBarton Fink.
Glider me fala que Melillo é o responsável pela
criação do “visual Brazzers” anos atrás: “peitões, bundonas, muita cor e
iluminação de qualidade”. O subtexto aqui é que Melillo está trazendo peitões,
bundonas e uma excelente iluminação ao pornô em RV.
Após a inspeção inicial, o set – uma sala com vista
para uma piscina, para um amplo deck em mármore e para Los Angeles – parece
profissional o bastante. Há um par de luzes Kino Flo, um esquema de monitor
bacana, cabos elétricos e uma área próxima à piscina em que a equipe e as
estrelas dão entrevistas em vídeo.
Para esta produção, o enredo é o típico pornô
americano: a atriz Christie Stevens interpreta uma esposa-troféu hollywoodiana
que atende a campainha e se depara com um vendedor de aspirador de pó
interpretado por Isiah Maxwell. Após uma ceninha na entrada, eles adentram a
sala, onde Stevens fala a Maxwell que não tem grana e seu marido a mataria se
ela o encontrasse na casa. "Talvez", ela pondera, "outro esquema
poderia ser feito". Aí então Stevens se despe e puxa o pau de Maxwell para
fora e comenta: “Você deve vender muitos aspiradores”.
Solto um risinho abafado. É surreal demais pra mim
ouvir este diálogo brega de pornô ali do lado, o que só piora quando imagino as
pessoas em suas casas assistindo aquilo em seus headsets de realidade virtual.
A camera a7RII Sony da Euclid Virtual Reality
Systems com seu case impresso em 3D no esquema faça-você-mesmo. Crédito: Nick
Melillo/Badoink
A Euclid Virtual Reality Systems, empresa fundada
por Samuel Burton e Robert Sledd, é a responsável pela câmera utilizada na
filmagem. Levando em conta a nada sutil referência ao pai da geometria, Burton
e Sled são os nerds entre os nerds. (A Euclid começou como um laboratório de
pesquisa e desenvolvimento em RV, mas mudou de ramo para a pornografia para
testar seus métodos.)
Enquanto a Euclid oferece uma câmera de 360 graus
composta por 12 GoPro Heroes alojadas em seu próprio case impresso em 3D, a
equipe escolheu um sistema de 180 graus com duas Sony a7RII e lentes olho de
peixe Rokinon 8mm – tudo acompanhado por dois Metabones Speed Boosters para uma visão
ainda mais ampla – também montada em um case 3D.
“Seus peitos
parecem gigantescos de perto. Se você conseguisse fazer eles pularem, seria
ótimo.”
Eles decidiram filmar tudo em 180 graus porque
Melillo queria ter controle da iluminação e poder posicionar eu e alguns outros
jornalistas bem no meio da filmagem. Glider, Melillo e Burton disseram que a
filmagem seria bem menos interessante se estivéssemos em outro cômodo e fosse
usada a câmera de 360 graus.
A Euclid roda um feed de vídeo em tempo real por
meio de um software chamado Video Stitch direto para um Oculus Rift, um sistema
que, de acordo com Burton, permite a eles criarem uma espacialização temporária
do material das duas câmeras para “ajustar o efeito 3D”. Isso tudo serve para
garantir que as câmeras estejam criando o efeito de 180 graus corretamente. O
processo, conhecido como stitching, só se aplica às filmagens em 360, em que as
imagens de dez ou mais câmeras devem ser unidas.
“Os vídeos em 360 exigem muito stitching antes de
ficarem nítidos”, disse Burton. “É um processo que melhora cada vez mais com o
desenvolvimento do setor. Esperamos que a Adobe resolva adicionar suporte ao
stitching no After Effects ou Premiere algum dia.”
Para testar se algum sacríficio havia sido feito ou
não ao satisfazer a curiosidade da imprensa, coloco o Oculus Rift pouco antes
da filmagem e percebo que 180 graus oferecem uma imersão mais que suficiente. O
que importa é o sexo na frente dos usuários, não na parede atrás deles.
Samuel Burton da Euclid fala sobre as câmeras de RV. Crédito:
Nick Melillo/Badoink
Assim que começa a filmagem, meus olhos alternam
entre o sistema de monitoramento da Euclid – monitores de alta resolução para
cada imagem em olho de peixe de cada câmera – e os atores em seus trabalhos.
Alguns membros da equipe sentados no refeitório e foyer não parecem muito
interessados no que rola ali na sala. Outros, como o cinematógrafo Sledd, só
observam o monitor e se certificam de que o sistema não trave – o que acontece
duas vezes, mas nada grave. Burton me garante que a edição não deve ser nenhum
problema.
Quando Stevens e Maxwell saem da felação para
trepar mesmo, Melillo os dirige. Ele pede para os atores acelerarem o ritmo
“agora que está tudo bacana e molhado”. Este controle do ritmo ecoa o que
Melillo me disse antes da filmagem.
“A coisa mais importante no pornô de RV é ‘ter seu
ritmo’”, disse Melillo. “São estrelas pornô, como cavalos de corrida: quando a
porta abre, querem fazer tudo o mais rápido o possível. Não estão acostumados a
fazer o inverso para criar um clima.”
Após a primeira travada no sistema, Melillo chega o
mais próximo possível da ação sem ultrapassar o limite do arco de 180 graus.
Melillo quer que Stevens fique mais perto das câmeras. Se ela ficar muito
longe, as olhos de peixe diminuem sua presença e a característica imersiva do
sexo virtual.
Stevens, ele diz, pode estar em qualquer ponto a 70
centímetros ou 6 metros e ainda estar nítida no vídeo. “Em determinado momento,
a resolução possível no headset se torna uma limitação e objetos mais distantes
ficam pouco claros”, comenta.
“Seus peitos parecem gigantescos de perto”, diz
Melillo a Stevens. “Então se você conseguisse fazer eles pularem, seria ótimo.”
Filmando as cenas de sexo do pornô em RV da
Badoink. Crédito: Nick Melillo/Badoink
Mylo diz que o maior desafio no pornô de RV é que a
equipe só tem dois ângulos. Stevens tem que fazer a maior parte do trabalho ao
olhar nas lentes das câmeras para estabelecer a ilusão de primeira pessoa
virtual. Ela, mais que o homem, deve lidar com a câmera. Durante a gravação,
Maxwell fica travado em uma posição porque a câmera está bem em cima da sua
cabeça, enquanto Stevens teve que se despir, fazer oral, dar início à
penetração e tudo mais.
Maxwell, que estava filmando um pornô em RV pela
primeira vez, disse que a necessidade de ficar parado durante o sexo foi um
enorme desafio.
“É difícil ficar imóvel”, disse. “Quero fazer
tantas coisas quando toco em uma mulher, é preciso concentração para não seguir
estes impulsos. E tente só segurar o orgasmo quando uma mulher linda está em
cima de você.”
“O
entretenimento adulto anda de mãos dadas com a tecnologia agora”
Stevens também comenta que a posição fixa da câmera
é a maior diferença entre um pornô de RV e um comum. Em uma filmagem típica,
Stevens e demais atores não olham na câmera.
“No caso da RV, meus olhos ficam colados na câmera
o tempo todo, e o ator não pode interagir comigo exceto por alguns movimentos
com as mãos, então foi meio que um monólogo com sexo”, diz a atriz. “O contato
visual com a câmera certamente é o mais importante para tornar a experiência
mais imersiva para o espectador."
“Fazer a maior parte do trabalho foi dureza, já que
estávamos limitados a duas posições apenas: cavalgada e reversa. Minhas coxas
estavam queimando!”, comenta. “Mas não é nada que não dê pra aguentar. Também
rolou um strip e um boquete, o que ajudou.”
Depois de pouco mais de meia hora de filmagem,
Melillo diz a Maxwell e Stevens que é hora de finalizar. Maxwell cumpre o
pedido. E antes que perceba, acabou. Stevens e Maxwell somem. O restante da
equipe desmonta e embala o equipamento.
Christie Stevens em uma imagem do ponto-de-vista em
RV. Crédito: Nick Melillo/Badoink
Fico ali pensando se o pornô em RV é mesmo o futuro.
De cara as pessoas precisam de headsets e eles ainda não se popularizaram.
Glider, como esperado de um produtor de pornografia em RV, não tem dúvidas.
“O entretenimento adulto anda de mãos dadas com a
tecnologia agora”, disse. “Um estúdio morre for pra internet e manjar de
tecnologia.”
No final das contas, Glider crê – e não está
sozinho nisso – que o pornô em RV se integrará com acessórios de feedback háptico. Com o
amadurecimento desta tecnologia, aparelhos como os da Kiiroo,
que oferece consolos e “dispositivos para masturbação”, permitirão aos usuários
viver em tempo real a sensação de uma vagina ou pênis em um filme de RV. Glider
quer levar a Badoink até lá.
“Não é só ver, é sentir”, afirma Glider. “São
biosensores e todas essas coisas juntas para oferecer a você uma experiência
que se assemelhe ao real que ocorre no cotidiano. Demorará um pouco para que
isso aconteça: primeiro as pessoas tem que entrar nessa de RV e então dizer
‘Kok, quero ir além.’”
Stevens, que disse ter curtido filmar em RV porque
gosta de tomar parte no que há de mais novo em tecnologia, concorda com Glider.
“Penso que a RV será um sucesso na indústria ao
passo em que a tecnologia acabará se popularizando”, disse. “Penso que sempre
haverá espaço para o pornô em 2D comum, mas acho que passaremos a ver muito
mais RV.”
Maxwell acha que é cedo demais para afirmar que a
RV é o futuro da pornografia.
“O que importa mesmo é o timing e os fãs podem se
ligar nisso agora ou daqui a dez anos quando a tecnologia melhorar”, disse. “A
RV vai além nos nossos sentidos, mais que a TV ou monitores de PC, promovendo
produtos que ressaltam estas características. Luvas de RV seriam excelentes
para sentir pegar num peito, além de aromas relacionados às suas garotas
favoritas.”
Até que a experiência se torne mais interativa, os
estúdios esperam que os clientes paguem uma assinatura de 29,95 dólares para
streaming ou download de pornô em RV. Ao menos até que os sites estilo “tube”,
como Glider e os outros se referem ao império do PornHub e seus imitadores,
entrem no jogo.
“Não é como se fôssemos reinventar o sexo ou novas
posições”, disse Melillo. “Só vamos mostrar uma nova experiência. Tem duas ou
três empresas fazendo isso, mas já vi o material deles e não está legal.”
“Contanto que você seja o primeiro em qualidade,
eles virão”, disse.
Tradução: Thiago “Índio” Silva