Exclusiva Mídia explica: a transferência da capital para Brasília
Saiba como foi o lento processo de saída do litoral para o interior |
A
ideia de transferir a capital do país do litoral (Rio de Janeiro) para o
interior, com o intuito de dinamizar o território brasileiro, levou ao menos
170 anos em gestação, desde a primeira menção durante a Inconfidência Mineira
(1789).
Tiradentes,
o alferes Joaquim José da Silva Xavier, reconhecido como a maior figura da
conspiração patriótica, foi igualmente, o principal responsável pelo projeto de
mudar a capital”, conta o jornalista e pioneiro de Brasília Adirson
Vasconcelos, em seu livro A Mudança da Capital.
A
obra compila várias informações sobre a saída da capital brasileira do litoral
até o sudeste de Goiás. O nome Brasília foi sugestão do “patriarca da
Independência”, José Bonifácio Andrada e Silva, que, antes da Independência, já
defendia a ideia de transferência.
A
crítica à concentração da população brasileira no litoral, entretanto, vinha de
muito antes e já aparecia no livro História do Brasil, de 1627, do frei
franciscano Vicente de Salvador. Segundo ele, os colonizadores portugueses
contentavam-se a “andar arranhando as serras ao longo do mar como
carangueijos”.
Formosa
da Imperatriz
Os
estudos de campo para a localização da nova sede da capital começaram ainda no
Império. Em 1877, o nobre Francisco Adolfo Varnhagen, visconde de Porto Seguro,
se licencia do posto de chefe da delegação brasileira em Viena (Áustria) para
viajar em lombo de burro do Rio de Janeiro a Goiás.
Na
Vila Formosa da Imperatriz, a atual Formosa, descobre em um triângulo formado
pelas lagoas Formosa, Feia e Mestre D’Armas. “Uma paragem mais central, mais
segura e mais sã para capital do Brasil, nos elevados chapadões, de ares puros
e boas águas”, conforme documenta o jornalista Adirson Vasconcelos.
Mas
foi na República que a internalização do centro do poder político virou lei. A
transferência da capital foi prevista em três constituições republicanas (1891,
1934, 1946). Por causa dos dispositivos constitucionais, vários presidentes
ordenaram estudos para a localização da nova capital.
A
Missão Cruls, a cargo da Comissão Exploradora do Planalto Central do Brasil,
instituída pelo presidente Floriano Peixoto, chefiada pelo engenheiro civil
belga Luiz Cruls - na verdade Louis Ferdinand Cruls, amigo de Joaquim Nabuco –
teve o mérito de, nos anos de 1892 e 1893, fazer amplo estudo sobre as
condições geológicas, de vegetação, clima e de abastecimento de água em um
quadrilátero de 14,4 mil quilômetros quadrados que passou a constar em mapas
oficiais com a designação de “Distrito Federal”.
O
primeiro Rima
A
comissão chefiada pelo engenheiro belga deixou como herança “o primeiro
relatório de impacto ambiental (Rima) elaborado no Brasil”, descreve o
jornalista Jaime Sautchuck, no livro Cruls: histórias e andanças do cientista
que inspirou JK a fazer Brasília.
Cinquenta
anos mais tarde, o trabalho de Cruls foi ratificado pela comissão de técnicos
nomeada pelo presidente Eurico Gaspar Dutra, sob coordenação do general Djalma
Polli Coelho. Em 1948, Dutra encaminha o relatório dessa comissão para a Câmara
dos Deputados. Os parlamentares estendem o “quadrilátero Cruls” a Unaí (MG) e a
Anápolis e Goiânia (GO). No final do ano seguinte, depois de tramitar nas duas
casas legislativas, o projeto de mudança é aprovado no Senado.
Em
1953, segundo período de Getúlio Vargas na Presidência da República, o Palácio
do Catete, sede do Poder Executivo, é autorizado pelo Congresso Nacional a
realizar “estudos definitivos” para localização da nova capital. Mais uma vez,
o trabalho da missão Cruls é respaldado por nova comissão constituída, que
seguiu trabalhando, mesmo após o suicídio de Getúlio, em 1954.
Essa
comissão, que no período de Café Filho na presidência (1954-1955), teve à
frente o marechal José Pessoa Cavalcanti de Albuquerque, contrata estudos com
base em fotos aéreas feitas pela empresa norte-americana de consultoria Donald
Belcher & Associate, para escolher o sítio da nova capital.
Cinco
áreas são avaliadas pela consultoria, renomeadas por cor e repassadas para a
decisão da comissão. Entre elas o Sítio Castanho, já demarcado pela missão
Cruls. A esse sítio, formado por áreas que pertenciam à antiga Planaltina e
banhado pelos rios Paranoá, Bananal e Gama, será somado o Sítio Verde que
acrescia as cabeceiras do rio São Bartolomeu. Os dois sítios eram cortados pela
estrada Planaltina-Anápolis e, juntos, formavam a área atual do DF de 5,8 mil
quilômetros quadrados.
Acaso
e oportunidade
Juscelino
Kubitschek, Brasília - Divulgação Governo Federal
|
A
nova capital poderia ter sido São João Del Rey (MG), como queria Tiradentes; na
comarca de Paracatu (MG), como indicou José Bonifácio; Belo Horizonte (MG),
Campinas (SP) ou Petrópolis (RJ) como debateram os constituintes de 1934, e
ainda Goiânia, como preferia Café Filho. Por pouco, o lugar escolhido para
Brasília não ficou no triângulo mineiro – como preferia, inicialmente,
Juscelino Kubistchek.
Foi
do acaso e do senso de oportunidade política de JK, então candidato à
Presidência da República, que surgiu a promessa de trazer a capital para o
território goiano.
Em
um comício na cidade de Jataí, a 330 quilômetros de Goiânia, em abril de 1955,
Juscelino é indagado por um morador, chamado Antônio Soares Neto (Toniquinho),
se cumpriria a Constituição e finalmente traria a capital para o interior. “Um
cidadão interpelou-me se, como eu prometia obedecer a Constituição, também me
dispunha a construir a nova capital federal, no Planalto Central”, rememorou o
próprio JK em artigo de 1976 republicado no livro Brasília: antologia crítica,
organizado por Alberto Xavier e Julio Katinsky.
“Havia,
mesmo, em todos os mapas, o quadrilátero destinado a futura capital. Eu não
podia fugir do destino: como me comprometeria, sobre minha honra, a cumprir a
Constituição, teria de obedecer àquele requisito. Foi quando passei a pensar no
assunto”, descreve Juscelino antes de acrescentar: “ao estudarmos conjuntamente
os pontos de estrangulamento da economia brasileira, senti uma iluminação ao
perceber, só então, a influência que a construção da nova capital poderia ter
naquele sentido.”
JK
fez da construção de Brasília a “meta síntese” de seu plano desenvolvimentista
que prometia 50 anos em cinco.
Plano
Piloto
Empossado,
o governo Juscelino Kubistchek vai seguir as metas desenvolvimentistas,
inclusive a construção da capital que exigia um Plano Piloto a ser escolhido em
concurso público. Vinte e seis propostas foram apresentadas por arquitetos e
engenheiros no Concurso de Brasília, ou Concurso Nacional do Plano Piloto da
Nova Capital do Brasil, aberto em 1956 e encerrado em 1957. Sete projetos foram
premiados.
O
primeiro colocado, como se sabe, foi Lúcio Costa, que pediu desculpas aos
organizadores do concurso pela “apresentação sumária”. Seu projeto, de acordo
com o livro “O concurso de Brasília: sete projetos para uma capital”, de Milton
Braga, trazia “o mínimo do exigido pelo edital”. Conforme o urbanista, a sua
iniciativa não era de alguém que “pretendia competir”, mas apenas
desvencilhar-se “de uma solução possível.”
O
Plano Piloto de Lúcio Costa foi o 22º a ser entregue na disputa. O traçado era
“feito à mão e colorido, na escala de 1:25000”. O relatório que acompanhava
tinha 24 páginas (metade do 2º colocado), 17 datilografadas em tamanho ofício e
mais “sete contendo croquis em traço preto.”
Segundo
Milton Braga, o presidente da comissão julgadora, Sir William Holford, assessor
de urbanismo do governo britânico, avaliou que o relatório apresentado por
Lúcio Costa “não continha uma única palavra sem propósito, constituindo, antes
de qualquer outra coisa, uma bela peça literária.” O texto foi revisado por
Carlos Drummond de Andrade, que apenas corrigiu a ortografia para o português
corrente.
Entre
as vantagens, o júri apontou que o Plano Piloto de Lúcio Costa era “claro,
direto e fundamentalmente simples” e que possuía o “espírito do século 20”,
pois era “novo, livre, aberto e disciplinado sem ser rígido.”
Com
uma cruz que tem sua haste horizontal arqueada para cima, “gesto primário de
quem assinala um lugar ou dele toma posse”, Lucio Costa apresenta o primeiro
esboço dos eixos Monumental e Rodoviário, as principais artérias viárias da
cidade inaugurada em 21 de abril de 1960. Naquele instante, Brasília começa a
deixar de ser sonho e passa a ser realidade.