sábado, 30 de julho de 2016

Nosso futuro já




Menor HD do mundo realiza sonho da nanotecnologia


Redação do Site Inovação Tecnológica -  19/07/2016







Há realmente muito espaço aqui embaixo: a memória atômica de 1 kb tem 96 nanômetros de largura e 126 nanômetros de altura.[Imagem: TUDelft]




Sonho de Feynman
Pesquisadores holandeses conseguiram uma façanha histórica, levando ao limite a tecnologia de armazenamento de dados: eles construíram uma memória de 1 kilobyte (8.000 bits) onde cada bit é representado pela posição de um único átomo de cloro.

Em 1959, o físico Richard Feynman desafiou a comunidade científica a abrir caminho para as hoje conhecidas nanociências e nanotecnologias. Em sua famosa palestra "Há muito espaço lá embaixo", ele especulou que, se tivéssemos uma plataforma que nos permitisse organizar átomos individuais em um padrão ordenado exato, seria possível armazenar um bit de informação por átomo.

Floris Kalff e seus colegas da Universidade de Delft acabam de transformar em realidade essa previsão visionária. E, para homenagear Feynman, eles codificaram uma seção de sua palestra em uma área de 100 nanômetros de largura.

O dispositivo alcançou uma densidade de armazenamento de 500 terabits por polegada quadrada, 500 vezes mais do que o melhor disco rígido atualmente disponível.

"Em teoria, esta densidade de armazenamento permitiria que todos os livros já criados pelo homem sejam escritos em um único selo postal," disse o professor Sander Otte.

Dados gravados em átomos
A memória consiste em linhas traçadas sobre uma superfície de cobre, na qual existem "buracos" onde os átomos de cloro podem ser deslizados para lá e para cá usando a ponta de um microscópio de tunelamento.

"Você pode compará-la com um quebra-cabeças de deslizar," explica Otte. "Cada bit é constituído por duas posições sobre a superfície de átomos de cobre e um átomo de cloro, que pode deslizar para trás e para a frente entre as duas posições. Se o átomo de cloro está na posição de cima, existe um buraco abaixo dele - chamamos isto de 1. Se o buraco está na posição superior e o átomo de cloro está, por conseguinte, na parte inferior, então o bit é um 0."

Como os átomos de cloro são cercados por outros átomos de cloro, exceto perto dos buracos, eles se mantêm mutuamente no lugar. É por isso que este método é muito mais estável do que as técnicas com átomos soltos já demonstradas anteriormente, e mais adequado para o armazenamento de dados.

Mas não espere encontrar um "HD atômico" para comprar tão já: embora seja uma demonstração histórica e tecnicamente muito interessante, o processo de escrita é muito lento, com cada bit exigindo vários minutos para ser gravado. E o HD só mantém os dados estáveis enquanto estiver resfriado por nitrogênio líquido, a -196º C.
Bibliografia:

A kilobyte rewritable atomic memory
F. E. Kalff, M. P. Rebergen, E. Fahrenfort, J. Girovsky, R. Toskovic, J. L. Lado, J. Fernández-Rossier, A. F. Otte
Nature Nanotechnology
DOI: 10.1038/nnano.2016.131


segunda-feira, 18 de julho de 2016

O pensamento quântico se impondo



Flutuações quânticas ajudam a resolver quebra-cabeça de 10 anos

Com informações da Agência Fapesp -  17/07/2016

 A energia decai do centro (vermelho) para a borda (verde). À direita, foram incorporadas flutuações quânticas: a energia define uma paisagem composta por cumes e vales. [Imagem: Jacquelyn Noronha-Hostler et al.]


Líquido primordial
Um problema que há 10 anos permanecia sem solução no campo da física nuclear de altas energias acaba de ser resolvido por meio de simulação computacional.

Trata-se do padrão de distribuição dos jatos produzidos nas colisões de núcleos pesados no interior dos dois maiores colisores de partículas da atualidade, o LHC (Large Hadron Collider), na Europa, e o RHIC (Relativistic Heavy Ion Collider), nos Estados Unidos.

"Descobrimos que as flutuações de origem quântica nas condições iniciais 'líquido' são o ingrediente necessário para explicar o padrão elíptico exibido pela distribuição angular das partículas geradas nas colisões," explica Jorge Noronha, professor do Instituto de Física da Universidade de São Paulo

O "líquido" mencionado pelo pesquisador é o plasma de quarks e glúons, que, segundo o modelo teórico padrão, teria preenchido o Universo durante um diminuto intervalo de tempo após o Big Bang. Esse meio tem sido recriado nos dois grandes colisores da atualidade pelos choques ultrarrelativísticos de núcleos atômicos - isto é, em velocidades próximas à da luz.
Plasma de quarks e glúons
A temperatura gerada nessas colisões é tão alta que os quarks e os glúons que estavam confinados no interior dos prótons e dos nêutrons dos núcleos atômicos se desprendem e, durante um exíguo intervalo de tempo, passam a se mover livremente. Trata-se de um meio muito pequeno, cuja extensão é pouco maior do que o diâmetro do próton. Vale lembrar que o diâmetro do próton é da ordem de grandeza de 10-15 metro. Esse meio comporta-se como um fluido quase perfeito, que praticamente não oferece resistência ao deslocamento das partículas que o compõem.

"Existem duas 'assinaturas experimentais' especialmente importantes a respeito do plasma de quarks e glúons. A primeira é o chamado 'fluxo elíptico de hádrons'. Isso diz respeito à distribuição angular das partículas geradas a partir das colisões. Depois que o sistema é formado, e que os quarks e glúons voltam a se aglutinar em hádrons [prótons, nêutrons, mésons etc.], os detectores registram os ângulos segundo os quais essas partículas reconfiguradas chegam a eles. E percebe-se que há ângulos preferenciais, cujo conjunto define vários padrões, sendo o padrão elíptico predominante", informou o pesquisador.

"A segunda assinatura é chamada de 'atenuação de jatos'. Quando um jato, constituído por um quark ou um glúon em velocidade próxima à da luz, transita no interior do plasma, ele é freado pelo meio e perde energia. Por mais de 10 anos, os especialistas na área tentaram entender como essa perda de energia levava à distribuição angular observada. Mas não obtiveram sucesso. Foi isso que conseguimos fazer agora, combinando a física de jatos com a hidrodinâmica para descrever a situação real de um jato deslocando-se no interior de um meio que, ele mesmo, se expande quase à velocidade da luz", acrescentou.

Flutuações quânticas
O padrão elíptico não é o único possível. De fato, existem vários padrões de distribuição angular das partículas: elíptico, triangular, quadrangular etc. O que se faz é decompor as distribuições possíveis em um tipo específico de sequência matemática, conhecida como série de Fourier. Isso permite saber quantas partículas obedecem a cada padrão. E o padrão elíptico é o predominante. A questão era explicar por quê. Foi exatamente isso que a introdução das flutuações quânticas no modelo permitiu fazer.
"Os núcleos atômicos que são levados a colidir constituem-se de prótons e nêutrons. Mas os prótons e nêutrons não se encontram imóveis no interior de cada núcleo. Eles se movem dentro de um pequeno volume. Portanto, a distribuição de energia no interior do núcleo, que fornece as condições iniciais para o problema, não é uniforme. Ela flutua o tempo todo. E isso dá uma ideia do que chamamos de flutuações quânticas", explicou Noronha.

Convém destacar aqui um dos pilares da física quântica, que é o Princípio da Incerteza, de Heisenberg. Segundo esse princípio, não é possível determinar simultaneamente de maneira exata a posição e a velocidade de cada partícula. Quando se determina a posição, a velocidade torna-se altamente incerta. E, quando se determina a velocidade, é a posição que se torna incerta. O conceito de flutuação quântica está intimamente associado ao Princípio da Incerteza.

Além disso, dentro dos próprios prótons ou nêutrons, os quarks e os glúons estão igualmente em movimento. E não apenas isso. Existe também um processo incessante de produção e aniquilamento de pares de partículas e antipartículas.

Oceano de energia
Grosso modo, segundo o modelo padrão, o próton é formado por três quarks. Mas, para usar uma analogia, isso é apenas a fotografia estática de algo extremamente dinâmico. Uma imagem mais apropriada seria comparar cada próton a um minúsculo e agitado oceano de energia, no qual quarks e antiquarks são produzidos e destruídos o tempo todo. "Na verdade, o próton é uma realidade muito complicada, que só agora estamos começando a compreender. Há vários modelos diferentes que buscam descrevê-lo", comentou o pesquisador.

Em resumo, a situação é a de um sistema - o plasma de quarks e glúons - com densidade de energia muito alta, semelhante à do universo primordial. Um sistema em flutuação, no qual transitam jatos de partículas em velocidades próximas à da luz. Estes perdem energia ao transitar. A detecção experimental das partículas resultantes mostra que a sua distribuição angular segue preferencialmente um padrão elíptico. "Introduzindo as flutuações quânticas nas condições iniciais usadas nas simulações computacionais, foi possível chegar, pela primeira vez, a um resultado compatível com o padrão experimentalmente observado", enfatizou Noronha.

"Esse cálculo envolveu várias camadas de teoria. Foi preciso considerar a densidade inicial de energia do sistema; considerar também como, a partir de cada condição inicial, o sistema evolui, expandindo-se em velocidades próximas à da luz; e considerar ainda como cada jato de quark ou glúon perde energia dentro desse meio. Devido às flutuações, é necessário fazer a simulação evento por evento, considerando várias densidades iniciais de energia. Isso significa rodar centenas de simulações. E, depois de tudo isso, calcular a distribuição estatística das várias simulações para chegar a algo próximo do comportamento real", detalhou o pesquisador.

As simulações computadorizadas mostraram-se consistentes com os dados experimentais. "Além do cálculo do fluxo elíptico, fizemos também, pela primeira vez, o cálculo do fluxo triangular de partículas com energia alta. Esse fluxo só é diferente de zero quando se incorporam flutuações quânticas," finalizou Noronha.

Bibliografia:

Event-by-Event Hydrodynamics+Jet Energy Loss: A Solution to the RAA.v2 Puzzle
Jacquelyn Noronha-Hostler, Barbara Betz, Jorge Noronha, Miklos Gyulassy
Physical Review Letters
Vol.: 116, 252301
DOI: 10.1103/PhysRevLett.116.252301

quinta-feira, 7 de julho de 2016

Equações de Faddeev no PC



PC faz em 15 minutos o que supercomputador leva 3 dias
Redação do Site Inovação Tecnológica -  07/07/2016
O supercomputador usado pela equipe foi substituído por um PC comum com uma GPU comprada no comércio.[Imagem: Vladimir Kukulin]











Super-PC
Um grupo de físicos da Universidade Estadual de Moscou, na Rússia, descobriu como usar um computador pessoal comum, como o que você tem em casa, para resolver algumas das mais complexas equações da mecânica quântica, que até agora só eram resolvidas em supercomputadores.

E não se trata de uma mera substituição: de acordo com Vladimir Pomerantcev e seus colegas, o PC faz o trabalho muito mais rápido, resolvendo em 15 minutos o que um dos maiores computadores do mundo, instalado na Universidade de Julich, na Alemanha, tem levado de 2 a 3 dias para calcular.

As equações, formuladas na década de 60 pelo matemático Ludwig Faddeev, descrevem a dispersão de partículas quânticas, isto é, representa um análogo na mecânica quântica da teoria newtoniana dos sistemas de três corpos - usado para calcular a interação entre Sol, Lua e Terra, por exemplo. Com as equações de Faddeev abriu-se um campo totalmente novo da mecânica quântica, hoje conhecido como "física de sistemas de poucos corpos".

No entanto, devido à incrível complexidade dos cálculos no caso de interações entre partículas realísticas, o sistema ficou fora do alcance dos físicos por um longo período, até que os supercomputadores apareceram.

Quem precisa de supercomputador?
Agora, a equipe descobriu que basta um computador de mesa comum equipado com uma placa gráfica (GPU: Graphics Processing Unit) que custa por volta de R$1.000 para resolver todas as simulações quânticas realísticas de poucos corpos em poucos minutos.

Ocorre que a principal dificuldade para resolver as equações de Faddeev é a integração do espalhamento das múltiplas partículas quânticas, o que gera uma enorme tabela bidimensional, com dezenas ou centenas de milhares de linhas e colunas, com cada elemento da matriz sendo o resultado de cálculos para lá de complexos.

O que Pomerantcev percebeu é que essa tabela enorme pode ser encarada como uma tela com dezenas de bilhões de píxeis. Dessa forma, com uma boa GPU, pode-se calculá-la de forma muito rápida e otimizada.

O que nem a equipe esperava é que o desempenho fosse tão grande.


O primeiro simulador quântico prático, apresentado há poucos dias, mostra a viabilidade de simular também a "física de muitos corpos". [Imagem: IQOQI/Harald Ritsch]

"Chegamos a uma velocidade que sequer sonhávamos," disse o professor Vladimir Kukulin, coordenador do trabalho. "O programa calcula 260 milhões de integrais duplas complexas em um computador desktop em apenas três segundos. Sem comparação com os supercomputadores!"

A simulação completa, que atualmente usa de dois a três dias do supercomputador, é solucionada em 15 minutos no PC.

Curso para todos
O mais surpreendente é que os processadores gráficos com a capacidade adequada, bem como uma enorme quantidade de software disponibilizada para eles pelos próprios fabricantes das GPUs, como a NVidia, existem há quase dez anos - mas ninguém havia tido a ideia de usá-los para resolver as simulações quânticas.

"Este trabalho, em nossa opinião, abre rotas completamente novas para analisar reações químicas nucleares e de ressonância," disse Kukulin. "Ele também pode ser muito útil para resolver um grande número de tarefas de computação em física de plasma, eletrodinâmica, geofísica, medicina e muitas outras áreas da ciência."

A equipe está agora organizando um curso para mostrar a outros pesquisadores interessados de todo o mundo como usar seus PCs para substituir seus supercomputadores nesses cálculos.
Bibliografia:

Fast GPU-based calculations in few-body quantum scattering
V. N. Pomerantsev, V. I. Kukulin, O. A. Rubtsov, S.K. Sakhiev
Computer Physics Communications
Vol.: 204, July 2016, Pages 121-131
DOI: 10.1016/j.cpc.2016.03.018