Flutuações
quânticas ajudam a resolver quebra-cabeça de 10 anos
Com informações da Agência Fapesp -
17/07/2016
A energia decai do centro (vermelho) para a borda (verde). À direita,
foram incorporadas flutuações quânticas: a energia define uma paisagem composta
por cumes e vales. [Imagem: Jacquelyn Noronha-Hostler et al.]
Líquido primordial
Um problema que há 10 anos
permanecia sem solução no campo da física nuclear de altas energias acaba de
ser resolvido por meio de simulação computacional.
Trata-se do padrão de
distribuição dos jatos produzidos nas colisões de núcleos pesados no interior
dos dois maiores colisores de partículas da atualidade, o LHC (Large Hadron
Collider), na Europa, e o RHIC (Relativistic Heavy Ion Collider),
nos Estados Unidos.
"Descobrimos que as
flutuações de origem quântica nas condições iniciais 'líquido' são o
ingrediente necessário para explicar o padrão elíptico exibido pela
distribuição angular das partículas geradas nas colisões," explica Jorge
Noronha, professor do Instituto de Física da Universidade de São Paulo
O "líquido" mencionado
pelo pesquisador é o plasma de quarks e glúons, que, segundo o modelo teórico
padrão, teria preenchido o Universo durante um diminuto intervalo de tempo após
o Big Bang. Esse meio tem sido recriado nos dois grandes colisores da
atualidade pelos choques ultrarrelativísticos de núcleos atômicos - isto é, em
velocidades próximas à da luz.
Plasma de quarks e glúons
A temperatura gerada nessas
colisões é tão alta que os quarks e os glúons que estavam confinados no
interior dos prótons e dos nêutrons dos núcleos atômicos se desprendem e,
durante um exíguo intervalo de tempo, passam a se mover livremente. Trata-se de
um meio muito pequeno, cuja extensão é pouco maior do que o diâmetro do próton.
Vale lembrar que o diâmetro do próton é da ordem de grandeza de 10-15
metro. Esse meio comporta-se como um fluido quase perfeito, que praticamente
não oferece resistência ao deslocamento das partículas que o compõem.
"Existem duas 'assinaturas
experimentais' especialmente importantes a respeito do plasma de quarks e glúons.
A primeira é o chamado 'fluxo elíptico de hádrons'. Isso diz respeito à
distribuição angular das partículas geradas a partir das colisões. Depois que o
sistema é formado, e que os quarks e glúons voltam a se aglutinar em hádrons
[prótons, nêutrons, mésons etc.], os detectores registram os ângulos segundo os
quais essas partículas reconfiguradas chegam a eles. E percebe-se que há
ângulos preferenciais, cujo conjunto define vários padrões, sendo o padrão
elíptico predominante", informou o pesquisador.
"A segunda assinatura é
chamada de 'atenuação de jatos'. Quando um jato, constituído por um quark ou um
glúon em velocidade próxima à da luz, transita no interior do plasma, ele é
freado pelo meio e perde energia. Por mais de 10 anos, os especialistas na área
tentaram entender como essa perda de energia levava à distribuição angular
observada. Mas não obtiveram sucesso. Foi isso que conseguimos fazer agora,
combinando a física de jatos com a hidrodinâmica para descrever a situação real
de um jato deslocando-se no interior de um meio que, ele mesmo, se expande
quase à velocidade da luz", acrescentou.
Flutuações quânticas
O padrão elíptico não é o único
possível. De fato, existem vários padrões de distribuição angular das
partículas: elíptico, triangular, quadrangular etc. O que se faz é decompor as
distribuições possíveis em um tipo específico de sequência matemática,
conhecida como série de Fourier. Isso permite saber quantas partículas obedecem
a cada padrão. E o padrão elíptico é o predominante. A questão era explicar por
quê. Foi exatamente isso que a introdução das flutuações quânticas no modelo
permitiu fazer.
"Os núcleos atômicos que são
levados a colidir constituem-se de prótons e nêutrons. Mas os prótons e
nêutrons não se encontram imóveis no interior de cada núcleo. Eles se movem
dentro de um pequeno volume. Portanto, a distribuição de energia no interior do
núcleo, que fornece as condições iniciais para o problema, não é uniforme. Ela
flutua o tempo todo. E isso dá uma ideia do que chamamos de flutuações
quânticas", explicou Noronha.
Convém destacar aqui um dos
pilares da física quântica, que é o Princípio da Incerteza, de Heisenberg.
Segundo esse princípio, não é possível determinar simultaneamente de maneira
exata a posição e a velocidade de cada partícula. Quando se determina a
posição, a velocidade torna-se altamente incerta. E, quando se determina a
velocidade, é a posição que se torna incerta. O conceito de flutuação quântica
está intimamente associado ao Princípio da Incerteza.
Além disso, dentro dos próprios
prótons ou nêutrons, os quarks e os glúons estão igualmente em movimento. E não
apenas isso. Existe também um processo incessante de produção e aniquilamento de pares de
partículas e antipartículas.
Oceano de energia
Grosso modo, segundo o modelo
padrão, o próton é formado por três quarks. Mas, para usar uma analogia, isso é
apenas a fotografia estática de algo extremamente dinâmico. Uma imagem mais
apropriada seria comparar cada próton a um minúsculo e agitado oceano de
energia, no qual quarks e antiquarks são produzidos e destruídos o tempo todo.
"Na verdade, o próton é uma realidade muito complicada, que só agora
estamos começando a compreender. Há vários modelos diferentes que buscam
descrevê-lo", comentou o pesquisador.
Em resumo, a situação é a de um
sistema - o plasma de quarks e glúons - com densidade de energia muito alta,
semelhante à do universo primordial. Um sistema em flutuação, no qual transitam
jatos de partículas em velocidades próximas à da luz. Estes perdem energia ao
transitar. A detecção experimental das partículas resultantes mostra que a sua
distribuição angular segue preferencialmente um padrão elíptico.
"Introduzindo as flutuações quânticas nas condições iniciais usadas nas
simulações computacionais, foi possível chegar, pela primeira vez, a um
resultado compatível com o padrão experimentalmente observado", enfatizou
Noronha.
"Esse cálculo envolveu
várias camadas de teoria. Foi preciso considerar a densidade inicial de energia
do sistema; considerar também como, a partir de cada condição inicial, o
sistema evolui, expandindo-se em velocidades próximas à da luz; e considerar
ainda como cada jato de quark ou glúon perde energia dentro desse meio. Devido
às flutuações, é necessário fazer a simulação evento por evento, considerando
várias densidades iniciais de energia. Isso significa rodar centenas de
simulações. E, depois de tudo isso, calcular a distribuição estatística das
várias simulações para chegar a algo próximo do comportamento real",
detalhou o pesquisador.
As simulações computadorizadas
mostraram-se consistentes com os dados experimentais. "Além do cálculo do
fluxo elíptico, fizemos também, pela primeira vez, o cálculo do fluxo triangular
de partículas com energia alta. Esse fluxo só é diferente de zero quando se
incorporam flutuações quânticas," finalizou Noronha.
Bibliografia:
Event-by-Event Hydrodynamics+Jet Energy Loss: A Solution to the RAA.v2 Puzzle
Jacquelyn Noronha-Hostler, Barbara Betz, Jorge Noronha, Miklos Gyulassy
Physical Review Letters
Vol.: 116, 252301
DOI: 10.1103/PhysRevLett.116.252301
Event-by-Event Hydrodynamics+Jet Energy Loss: A Solution to the RAA.v2 Puzzle
Jacquelyn Noronha-Hostler, Barbara Betz, Jorge Noronha, Miklos Gyulassy
Physical Review Letters
Vol.: 116, 252301
DOI: 10.1103/PhysRevLett.116.252301
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