O futuro sem
motorista
Sistemas computacionais, sensores, lasers e
radares garantem a autonomia de carros e caminhões
EVANILDO DA SILVEIRA | ED. 235 | SETEMBRO 2015
Carros autônomos não se cansam, não se distraem, nem ficam bêbados. Eles
prometem transformar a mobilidade urbana. Podem se movimentar sem motorista ao
volante, sob o comando de um sistema de controle computacional interligado a
sensores e equipamentos. Vão de um local a outro conforme a instrução do
usuário. No caminho, devem ser capazes de obter informações do ambiente, como
sinalização, pedestres e outros veículos, além de se orientar por sistemas de
satélite. A tecnologia para esse fim está em desenvolvimento por meio de vários
projetos no mundo, em universidades e centros de pesquisa e na própria
indústria automobilística. No Brasil existem alguns projetos desse tipo em
instituições científicas, dos quais pelo menos um em parceria com uma
fabricante de veículos.
A Scania investiu R$ 1,2 milhão em um projeto para desenvolver um
caminhão robótico em parceria com pesquisadores da Universidade de São Paulo
(USP), campus de São Carlos. O modelo cedido pela empresa
sueca aos pesquisadores para o trabalho, iniciado em 2013, é o G360, de 9
toneladas. Para torná-lo autônomo, a equipe do Instituto de Ciências
Matemáticas e de Computação (ICMC), liderada pelo cientista da computação Denis
Fernando Wolf, teve que fazer alterações mecânicas e instalar sensores e sistemas
eletrônicos. “Acoplamos pequenos motores elétricos no volante e nos freios e um chip no
comando do acelerador para poder controlar as manobras e a velocidade”,
explica. Além disso, o caminhão foi equipado com sistema de câmeras estéreo e
aparelho GPS (sistema de posicionamento global) de alta precisão, que dá a
direção e a posição do veículo com margem de erro de 5 centímetros (cm). São
três câmeras, instaladas na frente do caminhão, a 1,5 metro (m) de altura e a
20 cm uma da outra, que funcionam, duas de cada vez, como uma só, a exemplo dos
olhos humanos, tornando possível estimar a distância dos objetos da imagem.
Há ainda um radar, que identifica obstáculos em situação de baixa
visibilidade. De acordo com Wolf, os dois tipos de equipamento se complementam.
O radar detecta, a longa distância, a presença ou não de obstáculos. As câmeras
são mais precisas e sensíveis, podendo identificar a sinalização horizontal da
faixa de trânsito ou semáforo e distinguir cores e texturas, além de pessoas e
animais na pista. Mas, por si sós, esses aparelhos não são capazes de dirigir o
caminhão, sendo necessário o “cérebro”: um computador. Instalado atrás do banco
do motorista, ele recebe os dados dos sensores e os processa, controlando o
veículo em tempo real.
Carro desenvolvido
pela Google: já nasceu autônomo
Veículos sustentáveis
Rogério Rezende, diretor de Assuntos Institucionais e Governamentais da
Scania Latin America, explica que o principal objetivo da parceria não foi comercial.
“Nós investimos em projetos de pesquisa e desenvolvimento em todo o mundo e o
autônomo, em parceria com a USP de São Carlos, está dentro deste cenário”,
conta. “A ideia é gerar conhecimento, fundamental para promover um transporte
sustentável.”
Além do caminhão, a equipe de Wolf trabalha em outro projeto, o Carro
Robótico Inteligente para Navegação Autônoma (Carina), que começou em 2011, com
apoio da FAPESP e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico (CNPq), no âmbito do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em
Sistemas Embarcados (INCT-SEC). Enquanto o objetivo do projeto do caminhão era
demonstrar que é possível desenvolver a tecnologia no Brasil ao menor custo
possível, preservando a funcionalidade, o pesquisador explica que o Carina é
uma plataforma de pesquisa. “Quanto mais sensores, e mais sofisticados
eles forem, melhores as condições para fazer pesquisa de ponta.”
O Carina é equipado com duas câmeras (em estéreo), GPS de precisão e uma
unidade inercial (um tipo de bússola em 3D). Possui ainda um emissor de laser giratório
no teto, que lança 32 feixes que fazem uma varredura identificando tudo que
está em torno, criando uma espécie de mapa em 3D do caminho percorrido. Em
outubro de 2013 o veículo foi testado nas ruas de São Carlos, sem ninguém no
banco do motorista (ver Pesquisa
FAPESP nº 213). “Foi o primeiro da América Latina a
fazer um teste desses, em vias urbanas”, orgulha-se Wolf. “Até então, isso só
havia ocorrido em pouquíssimas cidades dos Estados Unidos, França e Alemanha.”
O trecho que o Carina deveria percorrer era de 3 quilômetros (km), mas o
total trafegado chega perto de 30 km. A próxima missão do carro deverá
acontecer até o fim do ano. Ele está sendo preparado para ser usado como
transporte autônomo dentro do campus da USP de São Carlos,
demonstrando a tecnologia desenvolvida por quem queira testá-lo. Para isso,
será desenvolvido um aplicativo pelo qual interessados no serviço chamam o
veículo. Uma vez nele, o passageiro indicará o destino por meio de uma tela
sensível ao toque. Ao fim da corrida, o automóvel retornará para seu ponto de
estacionamento à espera de outra chamada.
Pesquisadores da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) também
desenvolvem um veículo robótico, o Iara. O projeto começou em 2009, no
Laboratório de Computação de Alto Desempenho (LCDA), com um pequeno carro-robô
e um objetivo amplo: entender como o ser humano consegue dirigir usando sua
capacidade visual e destreza para controlar o automóvel. Essa etapa contou com
financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Espírito Santo (Fapes). Em
setembro de 2012, a equipe importou dos Estados Unidos um carro híbrido, a
eletricidade e a gasolina. Para essa segunda fase, que se estenderá até dezembro,
o apoio é do CNPq. Parte da adaptação do carro para as pesquisas, como volante,
freio e câmbio especiais para veículo autônomo, já chegou pronta ao Brasil. “Os
outros equipamentos nós adicionamos”, conta o coordenador do projeto, Alberto
Ferreira de Souza. Entre eles, está um emissor de laser em
cima do Iara, semelhante ao do Carina. Além disso, ele possui GPS de precisão e
várias câmeras agrupadas aos pares ao seu redor, que funcionam como o olho
humano. O grupo da Ufes desenvolveu o software que faz o controle
do carro, que já deu uma volta completa no campus da Ufes, em
um trajeto de 3,8 km. O próximo objetivo é uma viagem autônoma do veículo de
Vitória a Guarapari, a 50 km de distância.
Carina na USP de
São Carlos: laser giratório no teto
História e seguro
No Departamento de Engenharia de Transportes da Escola Politécnica da
Universidade de São Paulo (Poli-USP), o professor Edvaldo Simões da Fonseca
Júnior coordena um grupo de alunos de pós-graduação que desenvolve alguns projetos
na área de navegação autônoma, usando pequenos carrinhos de 80 cm de
comprimento. “Uma das pesquisas usa GPS para fazer o veículo se deslocar entre
dois pontos”, conta. “Outra criou um carrinho que pode se deslocar no interior
de espaços fechados, como um prédio, onde o GPS não funciona, guiando-se por
uma rede wi-fi, e poderá ser útil no interior de minas, por
exemplo.”
Fonseca acompanha o assunto há anos e lembra que os carros robóticos têm
uma história antiga. No artigo “Veículos autônomos: conceitos, histórico e
estado da arte”, apresentado em 2013 no Congresso de Pesquisa e Ensino de
Transportes, assinado com seus colegas de departamento Rodrigo de Sousa
Pissardini e Daniel Chin Min Wei, Fonseca relata que a primeira vez em que se
falou em automação nos transportes foi em 1939, durante a Feira Mundial de Nova
York, nos Estados Unidos. Previa-se o mundo dali a 20 anos, exibindo “um
protótipo de sistema de rodovias automatizado, onde as estradas corrigiriam as
falhas de condução humanas, impedindo ações que não pudessem ser realizadas”.
Desde então, as pesquisas evoluíram, principalmente com o surgimento da área de
robótica móvel. Em 1985 surgiu, segundo o artigo, o protótipo VaMoRs, uma van Mercedes-Benz
equipada com câmeras e outros sensores, na qual a direção e outros componentes
eram controlados por comandos computacionais. O veículo podia, de forma
autônoma, atingir até 100 km/h em vias sem tráfego. A partir de então, várias
outras empresas da indústria automobilística, como Nissan, Volvo, Volkswagen e
BMW, começaram a desenvolver automóveis robóticos. Um dos mais avançados é de
uma novata no setor, a gigante de tecnologia Google. A empresa começou as
pesquisas em 2010, adaptando modelos do mercado. Hoje ela tem seu próprio
carro, que se assemelha ao Fiat 500, mas é menor. Esses veículos também têm um
conjunto de sensores com radares, GPS e câmeras. Os carros da Google possuem um
equipamento chamado de telêmetro [um dispositivo óptico usado para medir a
distância entre o observador e um ponto qualquer] a laser instalado
sobre o teto, que gera um mapa tridimensional do ambiente.
Desenvolver a tecnologia e construir os carros autônomos não basta para
que seu uso se torne realidade. Antes de colocá-los nas ruas é preciso discutir
as regras que vão regular seu tráfego e definir as responsabilidades legais em
caso de acidentes. Embora teoricamente eles sejam menos sujeitos a falhas e
erros, não há garantias absolutas. “O carro autônomo vai ser feito para não
infringir regras e não causar acidentes, mas ele pode ter uma pane e bater em
outro veículo ou atropelar alguém. E aí quem será o responsável? Quem o
comprou, quem o fabricou? Vai ter um seguro? Não sabemos ainda”, diz Fonseca.
Wolf lembra de outras questões que terão de ser resolvidas. “A
tecnologia para construí-los está praticamente pronta, mas sua adoção em larga
escala vai depender muito do mercado”, diz. “É preciso esperar para ver se
interessará à indústria automotiva.”
Apesar de ainda não estarem à venda – o que deve demorar alguns anos –,
os veículos robóticos têm contribuído para introduzir, de forma sutil, a
automação no caótico trânsito das grandes metrópoles. Entre os exemplos mais
marcantes, Fonseca cita o cruise control, que mantém o veículo
na mesma velocidade, o freio ABS, que evita que a roda trave e derrape, oautomatic
parking, que estaciona o carro usando sensores, e sistemas anticolisão
com radares ou câmeras para detectar uma colisão iminente. A autonomia está
chegando aos poucos. n
Projetos
1. Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Sistemas Embarcados Críticos (INCT-SEC) (n° 2008/57870-9);Modalidade Projeto Temático-INCT; Pesquisador Responsável José Carlos Maldonado (USP); Investimento R$ 2.639.677,06 (para todo o INCT-SEC) (FAPESP/CNPq).
2. A Collaborative Effort For Safer And More Efficient Transportation With Intelligent Vehicles (FAPESP-OSU/2013) (n° 2013/50332-0); Modalidade Auxílio à Pesquisa – Regular; Pesquisador responsável Denis Wolf (USP); Investimento R$ 21.660,00.
3. Projeto Carina – Carro Robótico Inteligente para Navegação Autônoma (n° 2011/10660-2); Modalidade Auxílio à Pesquisa – Regular; Pesquisador responsável Denis Wolf (USP); Investimento R$ 55.753,20.
4. Projeto CaRINA – Localização e Controle (nº 2013/24542-7); Modalidade Auxílio à Pesquisa – Regular; Pesquisador responsável Denis Wolf (USP); Investimento R$ 61.412,95 e US$ 15.840,10.
1. Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Sistemas Embarcados Críticos (INCT-SEC) (n° 2008/57870-9);Modalidade Projeto Temático-INCT; Pesquisador Responsável José Carlos Maldonado (USP); Investimento R$ 2.639.677,06 (para todo o INCT-SEC) (FAPESP/CNPq).
2. A Collaborative Effort For Safer And More Efficient Transportation With Intelligent Vehicles (FAPESP-OSU/2013) (n° 2013/50332-0); Modalidade Auxílio à Pesquisa – Regular; Pesquisador responsável Denis Wolf (USP); Investimento R$ 21.660,00.
3. Projeto Carina – Carro Robótico Inteligente para Navegação Autônoma (n° 2011/10660-2); Modalidade Auxílio à Pesquisa – Regular; Pesquisador responsável Denis Wolf (USP); Investimento R$ 55.753,20.
4. Projeto CaRINA – Localização e Controle (nº 2013/24542-7); Modalidade Auxílio à Pesquisa – Regular; Pesquisador responsável Denis Wolf (USP); Investimento R$ 61.412,95 e US$ 15.840,10.
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